sábado, 8 de março de 2014

Ser Religiosa por Mariana Vital: Em nome da religião



Trazer o tema religioso para uma conversa é um desafio. Um desafio que costuma ser abordado em tom de paródia mas que desperta a desconfiança se alvo de insistência.
Há um mote para esta postura: religião e política não se discutem. E ainda que se mascare esta mensagem de respeito pela diferença com a estratégia de evitar divergências conflituosas, ou, deus nos valha, confrontos mais acalorados, há também um travo de desresponsabilização destes temas. Como se fossem demasiado grotescos, ou pior, feitos para não serem compreendidos pelas pessoas de paz. Sim, há também medo. Medo de causarem reflexão, crítica ou, o maior dos males, a mudança de posição.

Hoje, vou debruçar-me no tópico da religião, ainda que não se consiga sacudir, de todo, a política que o envolve. A religião, nos tempos que correm, não é vista, nem pelos média nem pela minha avó, como uma questão pacífica ou até apaziguadora.

Sem ir buscar referências muitos rebuscadas, dizer que a religião e o conflito têm uma relação promíscua nas sociedades actuais, chega a ser um lugar-comum. Portanto, o medo de posições religiosas vem daqui. Será uma tendência justificada pela estatística? Talvez as referências aos grupos religiosos e a linguagem mais violenta tenham de facto, lugar nos números. Mas arredar esta questão para uma vestimenta quase tabu, que não se fale, que não se discuta, é dizer, a bem da verdade, que fingir que não existe ou ignorar a sua presença é funcional, ou realista. E isto, também se tem uma ideia que não funciona bem, a longo prazo pelo menos. Arthur Schneier (2002), rabi judeu, defende que a religião nunca é a causa real de um conflito entre sociedades, mas sim identificada e usada frequentemente como desculpa pelas outras causas como a etnicidade, as disparidades económicas e as diferenças regionais. E chegámos à pedra toque desta ideia: a reacção à diferença.

É verdade que temos sociedades diversificadas: multi-culturais, multi-étnicas, multi-religiosas, multi-géneros. Sabemos isto e basta ver as pessoas à nossa volta, ou ouvir as rádios que povoam a nossa antena, ou até ler as instruções em várias línguas dos produtos que compramos. Eu gosto desta ideia da diversidade, mas a ela já voltaremos.

As identidades religiosas na nossa sociedade são diversas. A nossa consciência e necessidade de sensibilização, em vez de temor, a elas é cada vez mais urgente. E assim, nasce a importância de se FALAR, DISCUTIR e sobretudo OUVIR o tema da religião. Do “é a falar que a gente se entende” até uma real abertura, com menos desconfiança e menos arrogância, na conversa sobre religião, ainda há todo um oceano de passos e peregrinações a fazer. Mas o princípio da necessidade tem de contaminar as consciências sociais e cívicas. Esta necessidade não se manifesta em proselitismo, ou paródia, ou desprezo entre tradições. Esta é uma necessidade de conversação: sentar ao lado, ouvir, perguntar de forma respeitadora e interessada se interesse houver, partilhar não de uma forma impositiva as visões de cada um, e sobretudo esforçar por conhecer um lado que não se conhece mas que pode ser surpreendente. A beleza da diversidade é a sua riqueza. E esta riqueza de diferenças é precisamente uma força na qual as sociedades actuais precisam de participar.

A minha visão sobre a religião é esta. Podia limitar-me a descrever os meus ritos, os meus conceitos religiosos, as minhas convicções e crenças, mas essa dimensão da experiência religiosa (ainda que mereça toda a atenção) é apenas parte da minha identidade religiosa. Eu acredito que o que me toca, harmoniza e me põe em sintonia com as forças que adoro é uma parte absolutamente bela, mas não me chegaria nunca se esgotasse a minha experiência religiosa. Tem de fazer sentido para mim, sem dúvida, mas também tem de fazer sentido para transformar a minha relação e experiências com os outros à minha volta.

Quando comecei a viagem de descobrir o que é religião e o que nesse universo fantástico vive, adoptei uma postura que validasse toda a tradição religiosa possível e imaginária se: aspirassem na pessoa ser uma melhor pessoa e levasse a pessoa a tratar melhor os outros à sua volta. Descobrir mundos de crenças que reconfortem a nossa existência e que nos desafiem a sermos mais e melhor é descobrir o potencial único da religião.

Como religiosa, acredito que o meu caminho passa por despertar este lado da religião nas pessoas que me rodeiam. Gosto de discutir, abrir ao diálogo, ouvir posições que me enriqueçam e me espantem (tendência contínua). Como pagã, sei que esta riqueza desperta força. Força para acreditar na equidade, na tolerância, na responsabilidade e no lugar do divino. A diferença abre-nos os olhos a mundos novos, a equidade e a tolerância ensinam-nos a dar-lhes valor, a responsabilidade lembra-nos do lugar que todos partilhamos e da nossa necessidade comum na diferença: contacto com o divino. Como pagã acredito que estas características fazem de nós pessoas melhores. Em especial a valorização da diversidade, não fosse eu politeísta.

E hoje, por ser o dia que é, lembro com carinho esse grande bastião da minha religiosidade, que sem saber que procurava quando encontrei percebi o quão me fazia falta: o sagrado feminino. A ele também voltaremos. Por ora, a todas as mulheres, diversas, maravilhosas, rabugentas e generosas, desejo um dia de lembrança a todas as que deram as vidas para que pudéssemos estar onde estamos agora. Um bem hajam a elas*



*Imagens tiradas da Internet
Referências:
Smock, D. R. (Editor) (2002). Interfaith Dialogue and Peacebuilding. Washington, DC: United States Institute of Peace Press

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