Trazer o tema religioso
para uma conversa é um desafio. Um desafio que costuma ser abordado em tom de
paródia mas que desperta a desconfiança se alvo de insistência.
Há um mote para esta
postura: religião e política não se discutem. E ainda que se mascare esta
mensagem de respeito pela diferença com a estratégia de evitar divergências
conflituosas, ou, deus nos valha, confrontos mais acalorados, há também um
travo de desresponsabilização destes temas. Como se fossem demasiado grotescos,
ou pior, feitos para não serem compreendidos pelas pessoas de paz. Sim, há também
medo. Medo de causarem reflexão, crítica ou, o maior dos males, a mudança de posição.
Hoje, vou debruçar-me
no tópico da religião, ainda que não se consiga sacudir, de todo, a política
que o envolve. A religião, nos tempos que correm, não é vista, nem pelos média
nem pela minha avó, como uma questão pacífica ou até apaziguadora.
Sem ir buscar
referências muitos rebuscadas, dizer que a religião e o conflito têm uma relação
promíscua nas sociedades actuais, chega a ser um lugar-comum. Portanto, o medo
de posições religiosas vem daqui. Será uma tendência justificada pela estatística?
Talvez as referências aos grupos religiosos e a linguagem mais violenta tenham
de facto, lugar nos números. Mas arredar esta questão para uma vestimenta quase
tabu, que não se fale, que não se discuta, é dizer, a bem da verdade, que
fingir que não existe ou ignorar a sua presença é funcional, ou realista. E
isto, também se tem uma ideia que não funciona bem, a longo prazo pelo menos. Arthur
Schneier (2002), rabi judeu, defende que a religião nunca é a causa real de um
conflito entre sociedades, mas sim identificada e usada frequentemente como
desculpa pelas outras causas como a etnicidade, as disparidades económicas e as
diferenças regionais. E chegámos à pedra toque desta ideia: a reacção à diferença.
É verdade que temos sociedades
diversificadas: multi-culturais, multi-étnicas, multi-religiosas, multi-géneros.
Sabemos isto e basta ver as pessoas à nossa volta, ou ouvir as rádios que
povoam a nossa antena, ou até ler as instruções em várias línguas dos produtos
que compramos. Eu gosto desta ideia da diversidade, mas a ela já voltaremos.
As identidades
religiosas na nossa sociedade são diversas. A nossa consciência e necessidade de
sensibilização, em vez de temor, a elas é cada vez mais urgente. E assim, nasce
a importância de se FALAR, DISCUTIR e sobretudo OUVIR o tema da religião. Do “é
a falar que a gente se entende” até uma real abertura, com menos desconfiança e
menos arrogância, na conversa sobre religião, ainda há todo um oceano de passos
e peregrinações a fazer. Mas o princípio da necessidade tem de contaminar as
consciências sociais e cívicas. Esta necessidade não se manifesta em proselitismo,
ou paródia, ou desprezo entre tradições. Esta é uma necessidade de conversação:
sentar ao lado, ouvir, perguntar de forma respeitadora e interessada se interesse
houver, partilhar não de uma forma impositiva as visões de cada um, e sobretudo
esforçar por conhecer um lado que não se conhece mas que pode ser surpreendente.
A beleza da diversidade é a sua riqueza. E esta riqueza de diferenças é
precisamente uma força na qual as sociedades actuais precisam de participar.
A minha visão sobre a
religião é esta. Podia limitar-me a descrever os meus ritos, os meus conceitos
religiosos, as minhas convicções e crenças, mas essa dimensão da experiência
religiosa (ainda que mereça toda a atenção) é apenas parte da minha identidade religiosa. Eu acredito que o que me toca, harmoniza e me põe em sintonia com as
forças que adoro é uma parte absolutamente bela, mas não me chegaria nunca se
esgotasse a minha experiência religiosa. Tem de fazer sentido para mim, sem dúvida,
mas também tem de fazer sentido para transformar a minha relação e experiências
com os outros à minha volta.
Quando comecei a viagem
de descobrir o que é religião e o que nesse universo fantástico vive, adoptei
uma postura que validasse toda a tradição religiosa possível e imaginária se:
aspirassem na pessoa ser uma melhor pessoa e levasse a pessoa a tratar melhor
os outros à sua volta. Descobrir mundos de crenças que reconfortem a nossa
existência e que nos desafiem a sermos mais e melhor é descobrir o potencial
único da religião.
Como religiosa,
acredito que o meu caminho passa por despertar este lado da religião nas pessoas
que me rodeiam. Gosto de discutir, abrir ao diálogo, ouvir posições que me
enriqueçam e me espantem (tendência contínua). Como pagã, sei que esta riqueza
desperta força. Força para acreditar na equidade, na tolerância, na
responsabilidade e no lugar do divino. A diferença abre-nos os olhos a mundos
novos, a equidade e a tolerância ensinam-nos a dar-lhes valor, a
responsabilidade lembra-nos do lugar que todos partilhamos e da nossa
necessidade comum na diferença: contacto com o divino. Como pagã acredito que
estas características fazem de nós pessoas melhores. Em especial a valorização
da diversidade, não fosse eu politeísta.
E hoje, por ser o dia que é, lembro com carinho esse
grande bastião da minha religiosidade, que sem saber que procurava quando
encontrei percebi o quão me fazia falta: o sagrado feminino. A ele também
voltaremos. Por ora, a todas as mulheres, diversas, maravilhosas, rabugentas e
generosas, desejo um dia de lembrança a todas as que deram as vidas para que pudéssemos
estar onde estamos agora. Um
bem hajam a elas*
*Imagens tiradas da Internet
Referências:
Smock, D. R. (Editor) (2002). Interfaith
Dialogue and Peacebuilding. Washington, DC: United States Institute of Peace
Press
Fantástico! É um texto muito equilibrado. Adorei. Quero ler mais!
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