Considerando o poder socializador e
a influência do contexto sociocultural, Simone de Beauvoir (1975) afirmava que
"ninguém nasce mulher, torna-se mulher". No que respeita à religião,
a minha experiência pessoal, enquanto pagã, leva-me a afirmar o oposto:
"ninguém se torna pagão, nasce-se pagão". O que me leva a dizer isto
é, talvez, o melhor ponto de partida para explicar a minha visão sobre a
religião.
Nasci no seio de uma família
católica. Algumas das pessoas que me criaram levam a religiosidade a sério e
cumprem os rituais. Outras assumem-se como "não praticantes". Foram
todas estas pessoas, no entanto, que me falaram de deus e me tornaram aluna de
um colégio católico, entre os três e os catorze anos. Cresci dentro da
ideologia cristã e não julgo que ela seja errada ou que tenha algo de mal.
Simplesmente, nunca me revi nela. Nunca me revi nos seus ritos, na sua
religiosidade. A minha alma não encontrava conforto naqueles chãos.
É, no entanto, neste contexto de
socialização, que construí a minha personalidade, a minha identidade e a minha
forma de ver a vida e a religião. Considero isto importante para explicar a
forma como, relutantemente, assumi (a mim própria e aos outros) que a minha
crença não era a mesma que me tinham apresentado como "correta"
durante toda a vida.
Mas cheguei lá. Cheguei lá, na
maior parte do tempo sozinha. Cheguei lá, depois, pelas mãos de alguém que me
disse que não estava só nas minhas crenças. É uma longa história. Uma boa
história. Mas uma história para outro momento...
Hoje, quero falar sobre religião.
Sobre a forma como a vejo e a sinto. Sobre a forma como ela está em mim e eu
nela.
Uma das frases que mais me marcou
sobre religião foi-me dita por uma pagã (também autora das páginas deste
blogue): "Uma pessoa até pode fazer de uma panela uma religião, desde que
isso a torne uma pessoa melhor". Ri. Sorri. E aceitei a verdade da frase
com carinho. É assim que também eu vejo a religião. Acho que a crença é algo
que vem de dentro. Acho que a fé é algo que deve incentivar-nos a lutar, a cada
momento, por sermos melhores, para nós mesmos e para os outros. E acho que,
independentemente da religião professada, é com base na tolerância, no respeito
mútuo e na luta por um mundo melhor (que começa dentro de nós) que se pode ter
um mundo onde mil crenças possam ser chamadas de fé, no singular.
É uma utopia e eu sei-o. Sei que a
religião é tabu. Sei que as pessoas
não gostam de falar sobre esta temática. Sei que a religião gera discórdia,
discussão... que perturba e incomoda. Sei que já gerou muitos conflitos, muitas
guerras... Gera questões: Como falar se as pessoas não querem ouvir? Como
explicar se as elas não querem saber? Felizmente alguns levantam-se e falam
ainda assim...
Durante muito tempo, calei.
Calei-me. Primeiro, não disse a mim mesma. Depois não disse aos outros.
Finalmente entendi que, enquanto me calasse, não seria apenas eu mas toda uma
comunidade a não ter voz. Quis dar-lhe voz, por pequena que fosse. Hoje falo.
Escrevo. Às vezes a medo, é verdade. Mas falo. Falo porque tenho uma voz e ouço
a Voz. Explico que sou pagã. Digo que sou politeísta. Que sou panteísta. Que
acredito que a divindade tem algo de feminino. Que acredito que a Natureza é
sagrada. Que os meus santuários tomam a forma de praias, florestas... Explico
mas nem sempre me faço entender. Sinto muitas vezes incompreensão,
intolerância. Mas trago ao pescoço a minha essência e no coração a minha forma de
sentir a fé. Trago a voz para explicar a quem quiser ouvir-me e a mente aberta
para aceitar quem tiver algo a explicar-me, ainda que seja diferente. No
coração, trago o desejo de que um dia possamos todos respeitar-nos como irmãos.
Nos lábios, uma prece: assim seja... e assim se faça.
BEAUVOIR, S. (1975). O segundo sexo. Amadora: Livraria Bertrand. Vol. I e II
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