Esta é a forma de eu ser pagã nos dias de hoje. É desta forma que eu honro os Deuses.
Lammas
Aninhada na imensidão do útero de granito a que chamam Beiras, ela sente a Roda a girar. As fogueiras e as águas de Litha estão a desvanecer-se. Sem pressa deixa que a estrada a leve à descoberta da face cíclica da Grande Mãe.
Embrenha-se pelos retalhos agrestes da paisagem e vai descobrindo, entre as dobras das fragas, velhas aldeias de xisto. Surpreendida pela abundância escondida entre cabeços, detém-se a absorver a beleza das pequenas hortas semeadas entre muros esquecidos pelo tempo. Aqui e ali, entre as sombras das oliveiras, vai vislumbrando ovelhas e cabras entretidas com o que resta do restolho.
Aspira o ar quente e delicia-se com a doçura que o preenche. Por todo o lado o cheiro do feno, acabado de cortar, satura o ar com aromas preciosos e pungentes de vida. A vida que se transforma animada pelo cantar das cigarras e o zumbido das abelhas.
Abençoa toda esta abundância e desce as encostas das serra atraída pelo reflexo da água do rio no fundo do vale. Entre duas curvas descobre um pequeno miradouro. Lá em baixo um rio de águas rebeldes estreita-se para passar pelas Portas de Almorão. Prende a respiração, fascinada com a beleza selvagem da paisagem que a rodeia e deixa que a pedra onde se senta lhe fale da magia do lugar:
- Onde estás sentada já foi um lugar de encantamento – sussurra-lhe o granito – desse lugar vi os homens labutarem em busca do ouro que estas águas escondem.
Ela conhece a história que a pedra lhe vai contar, mas ainda assim fecha os olhos e entrega-se ao encantamento.
- A Moura que vive na gruta desta encosta ainda gosta de falar com os humanos, mas já são poucos os que a conseguem ver - faz uma pequena pausa e prossegue – quando ela quer sobra-lhes ao ouvido o conto da celha de ouro que está enterrada na margem do rio – solta um risinho maroto e acrescenta – os homens transformaram a celha em carruagem de ouro, ah, ah, ah, mas eu sei que é uma celha e sei onde está escondida...
O chamamento dos grifos por cima dela quebram o encantamento e a ligação à pedra. Ela levanta a cabeça e deixa que o olhar se perca no voo majestoso dos grifos. Sente-se em casa, enraizada. De repente ri-se ao aperceber-se que atravessou os portais da Terra e do Ar sem dar por nada. Sente-se abençoada. Fica por ali,sem pressas, a beber na paisagem a generosidade e abundância da Mãe, a sentir o seu aconchego... a dar as boas vindas a Lammas.